VIAGENS NA MINHA TERRA
Continuidade da Homenagem ao Poeta António Nobre extraído da sua obra publicada “Só”. Última posta:
(…)E, na subida de Novelas,
O rubro e gordo Cabanelas
Dava-me as guias para a mão:
Isso… queriam os cavalos!
Que eu não podia chicoteá-los…
Era uma dor de coração.
Depois, cansados da viagem,
Repoisávamos na estalagem
(Que era em Casais, mesmo ao dobrar…)
Vinha a Sr.ª Ana das Dores
«Que hão-de querer os meus Senhores?
Há pão e carne para assar….»
Oh! Ingénuas mesas, honradas!
Toalhas brancas, marmeladas,
Vinho virgem no copo a rir…
O cuco da sala, cantando…
(Mas o Cabanelas, entrando,
Vendo a hora: «É preciso partir».)
Caía a noite. Eu ia fora,
Vendo uma estrela que lá mora,
No firmamento português:
E ela traça-me o meu fado
Serás Poeta e desgraçado!
Assim se disse, assim se fez.
Meu pobre Infante, em que cismavas,
Porque é que os olhos profundavas
No céu sem par do teu País?
Ias, talvez, moço troveiro,
A cismar num amor primeiro:
Por primeiro, logo infeliz…
E o carro ia aos solavancos.
Os passageiros, todos brancos,
Ressonavam nos seus gabões:
E eu ia alerta, olhando a estrada,
Que em certo sítio, na Trovoada,
Costumavam sair ladrões.
Ladrões! Ó sonho! Ó maravilha!
Fazer parte duma quadrilha,
Rondar, à lua, entre pinhais!
Ser Capitão! Trazer pistolas,
Mas não roubando, - dando esmolas
Dependuradas dos punhais…
E a mala-posta ia indo, ia indo,
O luar, cada vez mais lindo,
Caía em lágrimas, - e, enfim,
Tão pontual, às onze e meia,
Entrava, soberba, na aldeia
Cheia de guizos, tlim, tlim, tlim!
Lá vejo ainda a nossa Casa
Toda de lume, cor de brasa,
Altiva, entre árvores, tão só!
Lá se abrem os portões gradeados,
Lá vêm com velas os criados,
Lá vem, sorrindo, a minha Avó.
E então, Jesus! Quantos abraços!
- Qu’é dos teus olhos, dos teus braços,
Valha-me Deus! Como ele vem!
E admirada, com as mãos juntas,
Toda me enchia de perguntas,
Como se eu viesse de Belém!
E os teus estudos, tens-me andado?
Tomara eu ver-te formado!
Livre de Coimbra, minha flor!
Mas vens tão magro, tão sumido…
Trazes tu no peito escondido,
E que eu não saiba, algum amor?
No entanto entrava no meu quarto:
Tudo tão bom, tudo tão farto!
Que leito aquele! E a água, Jesus!
E os lençóis! Rico cheiro a linho!
- Vá, dorme, que vens cansadinho.
Não adormeças com a luz!
E eu deitava-me, mudo e triste.
(-Reza também o Terço, ouviste?)
Versos, bailando dentro em mim….
Não tinha tempo de ir na sala,
De novo: - Apaga a luz! – Que rala!
Descansa, minha Avó, que sim!
Ora, às ocultas, eu trazia,
No seio, um livro e lia, lia,
Garret da minha paixão…
Daí a pouco a mesma reza:
- Não vás dormir de luz acesa,
Apaga a luz!.... (E eu ainda… não!)
E continuava, lendo, lendo…
O dia vinha já rompendo,
De novo: - Já dormes, diz?
-Bff!.... e dormia com a ideia
Naquela tia Doroteia
De que fala Júlio Dinis.
Ó Portugal da minha infância,
Não sei que é, amo-te a distância,
Amo-te mais, quando estou só…
Qual de vós não teve na Vida
Uma jornada parecida,
Ou assim, como eu, uma Avó?
Paris, 1892
6 Comments:
Passei apenas para te desejar uma óptima semana e produtiva aqui no In Mente. lol
Vejo que já postaste a continuação do "Só" do António Nobre.
Voltarei para ler com mais calma e comentar.
Abraço
Belo poema do António Nobre. São nas horas de solidão que sentimos mais falta daqueles ou daquilo que mais amamos. Beijinhos
Castor, de facto ao ler este poema do António Nobre e ao querer fazer-lhe uma homenagem, pensei nisso mesmo. Que depois de tantos anos e com a evolução da medicina ainda campeia essa doença que levou milhares de pessoas. Subjacente a esta posta, estava mesmo essa intenção e o motivo de gostar também muito deste poema, que nos relata a vida da aldeia e estando longe de casa em París. Um grande abraço.
Este poema de António Nobre que descreve desde Novelas a viagem até às faldas do Marão, passando por uma das "casas" do Zé do Telhado, deu cor às minhas viagens de infância. Beijo
O que é nacional é bom!!! E mais nada!!!
;)
Pisconight, gosto muito das pessoas menos jovens! Aprendemos muito com elas. Existe agora, uma espécie de rótulo ao antigo e isso chama-se "cota". Também (quem sabe?) lá chagarei... Por isso continuo a tratar todos por igual! Um abraço.
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